Desde a infância sou aficionado por tecnologias e inovações e, de fato, não poderia ter tido outra formação senão uma voltada para a área tecnológica da informação. Ressalto aqui que, desde o primeiro semestre da faculdade, possuía vontade de conhecer o tão sonhado Vale do Silício, região que é referência mundial nos ramos da tecnologia e do empreendedorismo. Eis que, no presente ano, tive a oportunidade de vivenciar o Vale do Silício por uma semana, em um programa de imersão da empresa StartSe, que faz conexões entre empresas brasileiras e o Vale. Destaco aqui que a StartSe foi fundada pelos mesmos empresários da XP Investimentos, umas das maiores instituições financeiras da América Latina, e fora criada quando seus fundadores resolveram morar no Vale do Silício, diante do enorme choque cultural que vivenciaram, expandindo, assim, um pouco dessa cultura para o Brasil.
Destaco que cheguei ao Vale franqueado ao aprendizado e com a esperança de criar conexões valiosas e, após os inúmeros dias de vivências e experiências indescritíveis, saí com expectativas superadas e um entendimento mais claro da razão pela qual o Vale do Silício é o local que abriga as maiores e mais inovadoras empresas do mundo.
Para explicar o real significado da nomenclatura “Vale do Silício”, insta contextualizá-la no tempo e, apesar do que o nome sugere, o Vale não é uma região produtora de silício, mas recebeu essa denominação por ser um grande polo de alta tecnologia, destacando-se no princípio com a produção de circuitos eletrônicos, que utilizam o silício como principal elemento na composição dos chips. Feita essa consideração inicial, imperioso se faz destacar alguns pontos históricos que levaram ao nascimento do Vale: primeiro, a descoberta de ouro na região da Bay Area (local no qual situa-se a cidade de São Francisco), a qual levou um empreendedor chamado Levi Strauss a inovar e inventar uma roupa adequada para aqueles que trabalhavam nas minas, a tão conhecida “calça jeans” (neste caso, precisamente, a calça “Levis”); segundo, o movimento Hippie, surgido nos anos 60, que trouxe ao Vale a cultura da diversidade, tão presente nos tempos atuais; e, por último, mas não menos importante, a história dos oito traidores, entre eles, Gordon More, na qual oito homens que deixaram o Shockley Semiconductor Laboratory em 1957 e fundaram a Fairchild Semiconductor, indústria de semicondutores, que tem ligação intrínseca com a criação de diversas startups, entre elas a ADM e Intel, sendo esta última fundada por Artur Rock através de um plano de negócios de apenas três parágrafos, conforme descrito na figura que adiante:
Figura 1. Plano de Negócios da Intel.
Ressalte-se, ainda, que o Vale do Silício foi alavancado por um anúncio feito pelo presidente Kenedy, o qual preconizava que em 10 anos levaria o homem à Lua, tendo o mesmo canalizado uma enorme quantia de dinheiro ao Vale com a finalidade precípua de torná-lo possível. Assim, na década de 70, o Vale tornar-se-ia o que ele é: Parceria, Diversidade e Empreendedorismo.
Deve-se fazer aqui uma observação importante sobre duas culturas totalmente diferentes que acabaram sendo segregadas nos EUA: a Costa Leste e Costa Oeste. A Costa Leste é a denominada região do centro financeiro, onde se situa a cidade de Nova York, na qual há uma cultura enraizada nas pessoas pela participação de mercado, planos de negócio, roupas, estética, carros potentes, ou seja, a cultura do “ter”. Já a Costa Oeste é a denominada região do Vale do Silício, na qual as pessoas têm a cultura da garagem – a cultura da disrupção -, onde se cultuam os hábitos simples, carros elétricos são a opção, o uso de energia solar cada vez cresce mais e formalidade é desencorajada, ou seja, a cultura do “ser”. Costumam dizer, inclusive entre os americanos, que a Califórnia não está nos EUA, e a imagem que trago abaixo representa bem tal premissa.
Figura 2. Encontro ente Obama e Mark Zuckerberg.
O conhecimento técnico e estratégico para erguer ideias inovadoras é enorme na região, que atrai os melhores acadêmicos da atualidade e estando presentes duas das maiores universidades do mundo: Stanford e Berkeley; além de outras, que estudam o futuro e a inovação, como a Singularity e a Draper.
Na região do Vale, o conceito de milionários não se restringe ao conceito monetário que costumeiramente se preceitua, que são aqueles que detêm milhões em dinheiro, mas também, e principalmente, são aqueles que conseguem impactar milhões de pessoas. Sendo assim, o que você faz, sua credencial, seu cartão de visita, não tem muita importância diante do que você vai fazer. Todo esse ambiente sem formalidade, rebelde, repleto de conhecimento e aliado ao capital criou um ecossistema formidavelmente inovador no Vale do Silício, no qual não existem portas fechadas, levando todos a buscarem uma causa, uma razão, algo para impactar o mundo. Vamos tomar como exemplo Steve Jobs (Apple). Muitos podem não gostar dele, mas é impossível não se render à sua causa. Algo similar ocorre com Elon Musk (SpaceX, Tesla). Quem não se rende à causa de levar o homem a Marte ou à causa de mudar o transporte do mundo com carros elétricos e autônomos?
A cultura do Vale prega um pensamento global e exponencial frente ao pensamento local e linear. Um pensamento linear e local não considera o que acontece do outro lado do mundo, ao contrário do pensamento global e exponencial. Imagine andar 30 passos lineares de um metro e serão 30 metros, com os mesmos 30 passos exponenciais é possível dar a volta ao mundo 26 vezes.
A mesma analogia acima pode ser empregada na cultura das empresas, sendo que o pensamento global e exponencial pode gerar oportunidades épicas e o linear, riscos trágicos. São diversos os exemplos de hoje: veja o caso do Uber vs o Táxi; da Tesla, empresa criada neste século e já se aproxima do valor de mercado da centenária Ford; da Kodak, que valia 28 bilhões e empregava mais de 140 mil funcionários em 1996 e hoje está falida; do Instagram que foi comprado em 2012 e tinha 13 funcionários; do Skype, que praticamente extinguiu o DDI; do Whatsapp, que desafia as gigantes do setor de telefonia com apenas 50 funcionários; da Netflix, que provocou o fechamento de todas as unidades da Blockbuster do globo; do Airbnb, que é a maior empresa de hotelaria do mundo sem ter um hotel sequer; da Amazon, que é a maior empresa de varejo dos EUA sem ter uma loja física; além de muitos outros que virão.
Destaco aqui, o caso da Netflix que, na minha opinião, é um dos melhores exemplos acerca da mudança de paradigmas que acontece na atual sociedade. Em 2000, ela foi oferecida à Blockbuster por apenas 50 milhões de dólares e esta, em um belo exemplo de pensamento linear, recusou a oferta, achando que alugar DVD e cobrar 40 dólares de multa para quem não o devolvesse na data era o modelo de negócios ideal para o nosso mundo. Resultado: Netflix é uma gigante mundial avaliada em 100 bilhões de dólares e o Blockbuster faliu em 2010.
O fato é que o mundo tem se transformado, e se transformado de forma rápida. A cada instante a sociedade demanda coisas e pensamentos novos. Um exemplo disso é que, nos anos 60, empresas que entravam no ranking das 500 maiores do mundo ficavam nesse status por 60 anos, enquanto a média hoje é de 20 anos. Empresas centenárias como The New York Times e Avon cederam o lugar a jovens como eBay e Amazon. Há alguns anos pagávamos 20 reais por um CD com 20 músicas, hoje pagamentos 20 reais por 20 milhões de músicas no Spotify. E digo mais, aquelas tecnologias poderosas que só governos, corporações e bilionários tinham acesso hoje estão disponíveis e acessíveis a sociedade.
Tais tecnologias estão chegando cada vez mais rapidamente e sua adoção tem tido cada vez menos resistência por parte da população. Depois de inventada, a eletricidade demorou 46 anos para ser adotada, foram necessários 35 anos para adoção massiva do telefone, 31 anos para o rádio, 26 anos a televisão, 16 o computador, 13 anos o celular e 7 anos a internet.
E como essas tecnologias chegam a todos? Peter Diamandis, cofundador e presidente da Singularity University, afirma que, em um cenário no qual a tecnologia cresce rapidamente, temos os seis “Ds” exponenciais. São eles: digitalização, decepção, disrupção, desmonetização, desmaterialização e democratização. Diamandis defende que as tecnologias e inovações passam por esses seis “Ds” na ordem que apresenta:
Digitalização: Qualquer coisa que se torna digitalizada entra na lógica do crescimento exponencial. A informação digital é fácil de acessar, compartilhar e distribuir. Ex: carros autônomos, diagnósticos e petições por AI, impressão de tênis, entre outros.
Decepção: No começo, qualquer inovação pode enganar e parecer decepcionante. Quem desiste antes do tempo pode deixar passar uma oportunidade épica. Ex: músicas com vírus, fotos digitais com baixa resolução, entre outros.
Disrupção: Nas curvas exponenciais e digitalizadas, novas tecnologias podem criar mercados completamente novos e mudar as regras do jogo.
Desmaterialização: Fita K7, VHS, Discman, walkmen, walk-talk, câmera, livros… todos eles cabem hoje no seu bolso. E não porque eles viraram diversas tecnologias pequenas. Eles se desmaterializaram.
Desmonetização: Uma consequência direta da disrupção costuma ser a desmonetização. Ao passo em que tecnologias se tornam mais baratas e acessíveis.
Democratização: Por fim, quando algo se torna digitalizado e desmonetizado, mais pessoas podem ter acesso a isso.
Figura 3. 6 “Ds” exponencias do empreendedorismo.
Evidenciando aqui a disrupção, é impossível não falar dos automóveis. Estamos talvez vivenciando a última geração que vai comprar carros. Um exemplo disso é que a GM já se posicionou como empresa de serviços automobilísticos e a Tesla sempre foi uma empresa de tecnologia. Carro será um serviço, estacionamentos não mais serão necessários, bem como motoristas. Um pouco dessa premissa já acontece hoje com o Uber, cuja existência já faz com que muitas pessoas optem por não mais ter um carro e consumam um serviço de transporte. Carros autônomos já são vistos trafegando pelas ruas de São Francisco. O fato é que, daqui a alguns anos, teremos um forte impacto na indústria automobilística.
Diante de tudo isso, o ambiente de inovação do Vale casa como uma luva na assertiva que dispõe que a mentalidade é focada no sucesso e não na falha. Alguns dados relevantes são que 25% de todo capital de risco do mundo (53% dos EUA) está aplicado no Vale do Silício. No Vale a diversidade é importante. Lá 50% das pessoas são de outros países. Eles têm em mente que um produto global não pode ser criado apenas por pessoas locais. A diversidade traz ideias e perspectivas diferentes na concepção de um produto. Quanto mais diversidade temos, mais a rebeldia é fomentada. Pessoas talentosas, empreendedores visionários, que afrontam o ambiente corporativo, de fato querem mudar o mundo. E isso encontramos nas start-ups do Vale do Silício.
Por isso, é muito difícil que as áreas de Pesquisa & Desenvolvimento de grandes empresas consigam inovar. Dentro das empresas, essas áreas olham o futuro com indicadores atuais, analisando evolução de mercado, estudando tecnologias emergentes e explorando o comportamento do consumidor para identificar novos negócios. Mas se limitam a abastecer com inovação o ciclo de vida de produtos e serviços já estabelecidos, focando em tornar melhor aquilo que já existe. Mas isso por si só não basta, pois o ritmo das inovações disruptivas é cada vez maior, mais veloz. É por causa da ineficiência da maioria das áreas de P&D que acionistas investem mais dinheiro em start-ups do que em seus próprios departamentos.
Algo que ouvi muito e que aprendi foi que uma ideia não vale nada se não for implementada. Em uma das palestras de um investidor, ele disse que havia recebido uma ligação de uma pessoa dizendo, “boa noite, eu tenho uma ideia para te apresentar”, o investidor então responde, “ótimo, mas não precisa apresentar uma ideia, volte quando tiver um produto”. Isso também nos remete a outra característica interessante da cultura do Vale em que ideias precisam ser compartilhadas e amadurecidas. Você não conseguirá um investimento apenas com uma ideia, mas você conseguirá amadurecê-la muito se compartilhá-la. Esse ambiente de coworking do Vale é algo admirável.
Faz parte da rotina das pessoas os encontros diários para troca de aprendizados, os meet-ups, bem como os famosos pitches, apresentações sumárias de 3 minutos com objetivo de despertar o interesse de um investidor. Sabe-se que uma start-up dificilmente falha por problemas conceituais ou tecnológicos. Geralmente elas falham no momento da execução. Na região da Bay Area, as ideias são compartilhadas sem restrições. A tecnologia hoje é disponível a todo mundo. E, por isso, é cada vez mais difícil uma empresa manter-se competitiva por muito tempo
Algo que também escutei em quase todos os lugares que passei diz respeito à equipe. O valor de uma start-up está não somente no produto, mas principalmente no time que a compõe. Os grandes empresários, como Sergey Brin (Google), Larry Page (Google) e Mark Zuckerberg (Facebook) gastam metade do seu tempo recrutando. O segredo é ter pessoas diferentes seguindo uma mesma cultura. Uma frase que achei interessante foi “Alugue pessoas com boas ideias e contrate DOERs (pessoas que fazem)”. Seu time deve estar sempre no estado de Beta Permanente (inquietude, nunca estar pronto). Pessoas sem inquietude ficam para trás. Daí vem algo também bem interessante que diz que: Talento multiplicado por Esforço é igual a Habilidade e Habilidade multiplicada por Esforço é igual a SUCESSO.
Falhar é comum e bem visto no Vale. Sabe-se que 90% das start-ups falham, mas isso não significa que você é um perdedor. Significa eu você é experiente. Na neurologia, uma falha gera um pulso para criação da mielina (membrana que envolve axônios de neurônios). Cada vez que uma criança cai, é uma falha e um aprendizado. Logo, a cada falha, a tendência é que você melhore. A falha leva ao sucesso.
Estamos na era do ABC. A – Artificial Intelligence, B – Blockchain e C – Chatbot. Empregos que vemos hoje não mais existirão em poucos anos (profissões não tecnológicas estão sendo substituídas por profissões tecnológicas) e indústrias inteiras irão desaparecer. O Uber foi só a ponta do iceberg. Mas isso nada mais é que um ciclo. No passado, a invenção do trator gerou terror em muitos trabalhadores rurais, contudo, à medida que novas competências foram exigidas, as pessoas se reinventaram e se recolocaram. O segredo é aceitar que o mundo mudou e se preparar para isso. Agir ao invés de reclamar.
Algumas inovações que vão revolucionar sua vida são 1 – Adiamento da morte, 2 – Carros elétricos, 3 – Carros sem motorista, 4 – Drones para transportar humanos, 5 – Impressoras 3D, 6 – Mapeamento genético, 7 – Democratização da energia, 8 – Internet global, 9 – Inteligência artificial e robótica e 10 – O dinheiro do futuro (criptomoedas).
Conhecimentos em programação serão cada vez mais difundidos a todas as áreas. Todo mundo saberá programar. Em São Francisco, já existem empresas ensinando qualquer pessoa a programar, muitos colégios pelo mundo introduziram programação em suas disciplinas básicas, pois software e lógica básica de programação vão virar necessidade de todos, até mesmo de pessoas comuns em suas próprias casas. Sendo assim, linguagens para programação visual serão o caminho mais rápido para atingir tais objetivos. Alternativas como a linguagem de programação visual Blockly do Google e plataformas completas para desenvolvimento rápido de software, como o CronApp, ganharão força. Tal necessidade de software também gerará uma larga demanda global para criação e manutenção de soluções em software e, mais uma vez, comunidades de desenvolvimento, como CronApp Cloud Factory, podem deslanchar como um novo padrão.
Jeff Bezos, CEO da Amazon, incentiva seus funcionários a pensarem em produtos e serviços capazes de matar os próprios negócios da Amazon. Ele não faz isso à toa. Ele quer se apropriar de sua maior ameaça. A velocidade de adoção de novas tecnologias torna diversos produtos, serviços e negócios obsoletos. Na Intel Capital, existe uma premissa do “Give & Get” para qualquer investimento em capital de risco em parceria com start-ups e firmas capital de risco. Na HP, existe um cargo chamado “Chief Trouble Maker”, pessoas bem pagas para pensar em como destruir o negócio da empresa.
Portanto, estejamos antenados para o futuro e nos preparemos para ele. Tecnologias e empregos de hoje não mais existirão no amanhã. Segundo relatório apresentado no Fórum Econômico Mundial, há grandes chances das crianças de hoje trabalharem com alguma coisa que ainda não existe. Assim, encerro com o que de mais valioso eu trouxe do Vale do Silício que são esses 3 ensinamentos: 1- Testar e experimentar sempre; 2- Não temos propriedade sobre a inovação. Ela acontece no mundo inteiro; 3- O ser humano continua sendo o melhor ativo para se investir.
Thiago Alves Costa
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